O casarão mais famoso de Murici (a 50 km de Maceió) ficou submerso na
devastadora enchente de 2010 em Alagoas, mas, ao contrário da maioria
dos vizinhos, sobreviveu para contar história.
Espaçoso, porém sem ostentação, é nele que também sobrevive um
atendimento à moda antiga praticado pela família do presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB), que soma perto de duas décadas de
domínio na cidade de 26 mil habitantes.
Editoria de Arte/Folhapress |
As portas permanecem abertas 24 horas por dia --trancadas, só as dos
quartos--, seguindo uma tradição do clã iniciada por dona Ivanilda e
major Olavo, pais de Renan e seus seis irmãos.
Segundo vizinhos, diariamente ao menos 20 cidadãos passam por lá com
pedidos ao prefeito Remi Calheiros, irmão mais novo do presidente do
Senado, ou à primeira-dama Soraya, que também é secretária de Ação
Social.
Aos 50 anos, Remi cumpre seu quarto mandato à frente do município. Dos
onze vereadores eleitos, só um é de oposição. Renan Filho, filho de
Renan, foi prefeito por seis anos entre a sequência de mandatos de Remi.
Antes, em 1992, Olavo Calheiros, patriarca da família, também ocupou a
prefeitura.
Às 9h30 de uma segunda-feira de fevereiro, mais de dez moradores
aguardavam a sua vez no pátio da casa. Havia os sem moradia, os sem
saúde, os sem emprego, os sem botijão de gás. O prefeito dormia,
informaram à Folha.
"O camarada morre na prefeitura e eles não [me] aposentam", queixava-se
Jessão, 91, mestre de obras a serviço do município desde 1962 e que
esteve lá para tentar resolver sua aposentadoria.
André Paiva de Oliveira, 34, padre de Murici, diz que Remi "vai
protelando" as reivindicações. Um assessor do prefeito afirma que os
pedidos seguem para avaliação das secretarias municipais.
Cafés da manhã, almoços e jantares são oferecidos para quem bate na
porta. Esporadicamente, prefeito e primeira-dama participam das
refeições. Arroz, feijão, carne, macarrão e salada são servidos em um
aposento contíguo ao pátio interno.
Carlos Guilherme, 29, afirma ter encontrado com Remi três vezes, sem ter
solucionado seu problema. Busca uma inscrição para ir a uma das 2.800
casas construídas pelo governo federal na cidade.
Na semana passada, a Defensoria Pública entrou na Justiça com pedido de
liminar para suspender a entrega dos imóveis, por suspeita de fraudes
nos cadastros.
"Aqui, os principais empregos oferecidos, assim como os benefícios dos
programas públicos, estão na mão da prefeitura. A distribuição do Bolsa
Família é da Secretaria de Ação Social, comandada pela primeira-dama",
afirma Marco Aurélio Cunha, presidente municipal do PT.
Em Murici, 84% da população recebe Bolsa Família.
Felix Lima/Folhapress | ||
Pessoas aguardam atendimento no casarão da família Calheiros, que governa Murici (AL) há duas décadas |
DIA DE JOGO
Outro tema controverso na terra dos Calheiros é a relação apaixonada do prefeito Remi e seu time de futebol.
O Murici Futebol Clube estreou no campeonato alagoano em 1999 (na
primeira gestão do irmão de Renan), ganhou seu primeiro título em 2010 e
atualmente é líder.
Geraldo Amorim, chefe de gabinete da prefeitura, é presidente do clube. Remi preside o conselho deliberativo.
Em dezembro de 2010, a Câmara aprovou projeto de lei do Executivo que
prevê R$ 40 mil mensais como ajuda de custo ao clube. Remi diz que ela é
menor e se resume a coisas como empréstimo de um ônibus para as
viagens.
Na semana em que a Folha visitou a região, a equipe jogou fora de
casa em dois dias úteis da semana, terça e quinta, às 15h15. Primeiro
em Olho d´Água das Flores, a 300 km aproximadamente. Depois em Viçosa, a
cerca de 100 km.
Nos dois jogos Remi esteve presente --nas noites anteriores, recebeu os jogadores em casa para jantar.
Nesses dias, não deu expediente. Na quinta, a prefeitura, que funciona
oficialmente das 7h às 13h, estava às moscas -- nenhum dos oito
secretários estava por lá.
No intervalo de Comercial de Viçosa X Murici, nas arquibancadas, Remi foi questionado pela Folha sobre a ausência do secretariado. Até com certo entusiasmo, disse: "em dia de jogo é assim!".
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