ENTREVISTA COM JOAQUIM BARBOSA: "BRASIL NÃO ESTÁ PREPARADO PARA UM PRESIDENTE NEGRO".
O senhor é candidato à presidente da República?
Não. Sou muito realista. Nunca pensei em me envolver em política. Não
tenho laços com qualquer partido político. São manifestações espontâneas
da população onde quer que eu vá. Pessoas que pedem para que eu me
candidate e isso tem se traduzido em percentual de alguma relevância em
pesquisas.
As pessoas ficaram com a impressão de que o senhor não cumprimentou a presidente
Eu não só cumprimentei como conversei longamente com a presidente. Eu estava o tempo todo com ela.
O Brasil está preparado para um presidente da República negro?
Não. Porque acho que ainda há bolsões de intolerância muito fortes e não
declarados no Brasil. No momento em que um candidato negro se
apresente, esses bolsões se insurgirão de maneira violenta contra esse
candidato. Já há sinais disso na mídia. As investidas da “Folha de
S.Paulo” contra mim já são um sinal. A “Folha de S.Paulo” expôs meu
filho, numa entrevista de emprego. No domingo passado, houve uma
violação brutal da minha privacidade. O jornal se achou no direito de
expor a compra de um imóvel modesto nos Estados Unidos. Tirei dinheiro
da minha conta bancária, enviei o dinheiro por meios legais, previstos
na legislação, declarei a compra no Imposto de Renda. Não vejo a mesma
exposição da vida privada de pessoas altamente suspeitas da prática de
crime.
Como pessoa pública, o senhor não está exposto a todo tipo de pergunta e dúvida dos jornalistas?
Há milhares de pessoas públicas no Brasil. No entanto os jornais não
saem por aí expondo a vida privada dessas pessoas públicas. Pegue os
últimos dez presidentes do Supremo Tribunal Federal e compare. É um erro
achar que um jornal pode tudo. Os jornais e jornalistas têm limites.
São esses limites que vêm sendo ultrapassados por força desse temor de
que eu eventualmente me torne candidato.
Que partido representa mais o seu pensamento?
Eu sou um homem seguramente de inclinação social democrata à europeia.
Como ampliar o Estado para garantir direitos de quem esteve
marginalizado, mas, ao mesmo tempo, controlar o controle do gasto
público para manter a inflação baixa?
O primeiro passo é gastar bem. Saber gastar bem. O Brasil gasta muito
mal. Quem conhece a máquina pública brasileira, sabe que há inúmeros
setores que podem ser racionalizados, podem ser diminuídos.
O senhor disse que o Brasil está numa crise de representação política. O que quis dizer com isso?
Ela se traduz nessa insatisfação generalizada que nós assistimos nesses
dois meses. Falta honestidade em pessoas com responsabilidade de vir a
público e dizer que as coisas não estão funcionando.
Quando serão analisados os recursos dos réus do mensalão?
Dia primeiro de agosto eu vou anunciar a data precisa.
Eles serão presos?
Estou impedido de falar. Nos últimos meses, venho sendo objeto de
ataques também por parte de uma mídia subterrânea, inclusive blogs
anônimos. Só faço um alerta: a Constituição brasileira proíbe o
anonimato, eu teria meios de, no momento devido, através do Judiciário,
identificar quem são essas pessoas e quem as financia. Eu me permito o
direito de aguardar o momento oportuno para desmascarar esses bandidos.
Por que o senhor tem uma relação tensa com a imprensa? O senhor
chegou a falar para um jornalista que ele estava chafurdando no lixo.
É um personagem menor, não vale a pena, mas quando disse isso eu tinha
em mente várias coisas que acho inaceitáveis. Por que eu vou levar a
sério o trabalho de um jornalista que se encontra num conflito de
interesses lá no Tribunal. Todos nós somos titulares de direitos, nenhum
é de direitos absolutos, inclusive os jornalistas. Afora isso tenho
relações fraternas, inúmeras com jornalistas.
A primeira vez que conversamos foi sobre ações afirmativas. Nem
havia ainda as cotas. Hoje, o que se tem é que as cotas foram aprovadas
por unanimidade pelo Supremo. O Brasil avançou?
Avançou. Inclusive, entre as inúmeras decisões progressistas que o
Supremo tomou essa foi a que mais me surpreendeu. Eu jamais imaginei que
tivéssemos uma decisão unânime.
Nos votos, vários ministros reconheceram a existência do racismo.
O que foi dito naquela sessão foi um momento único na história do
Brasil. Ali estava o Estado reconhecendo aquilo que muita gente no
Brasil ainda se recusa a reconhecer, e a ver o racismo nos diversos
aspectos da vida brasileira.
Os negros são uma força emergente. Antes, faziam sucesso só nas
artes e no futebol, mas, agora, eles estão se preparando para chegar nos
postos de comando e sucesso em todas as áreas. Como a sociedade
brasileira vai reagir?
Ainda não vejo essa ascensão dos negros como algo muito significativo.
Há muito caminho pela frente. Ainda há setores em que os negros são
completamente excluídos.
Como o Brasil supera isso?
Discutindo abertamente o problema. Não vejo nos meios de comunicação
brasileiros uma discussão consistente e regular sobre essas questões.
Como superar a desigualdade racial, mantendo o que de melhor temos?
O que de melhor nós temos é a convivência amistosa superficial, mas, no
momento em que o negro aspira a uma posição de comando, a intolerância
aparece.
Como o senhor sentiu no carnaval tantas pessoas com a máscara do seu rosto?
Foi simpático, mas, nas estruturas sociais brasileiras, isso não traz mudanças. Reforça certos clichês.
Reforça? Por quê
Carnaval, samba, futebol. Os brasileiros se sentem confortáveis em
associar os negros a essas atividades, mas há uma parcela, espero que
pequena da sociedade, que não se sente confortável com um negro em
outras posições.
O senhor foi discriminado no Itamaraty?
Discriminado eu sempre fui em todos os trabalhos, do momento em que
comecei a galgar escalões. Nunca dei bola. Aprendi a conviver com isso e
superar. O Itamaraty é uma das instituições mais discriminatórias do
Brasil.
O senhor não passou no concurso?
Passei nas provas escritas, fui eliminado numa entrevista, algo que
existia para eliminar indesejados. Sim, fui discriminado, mas me
prestaram um favor. Todos os diplomatas gostariam de estar na posição
que eu estou. Todos.
Fonte: Globo/CBN/Luis Nassif Online
Nenhum comentário:
Postar um comentário